domingo, 22 de março de 2009

NA TERRA DOS CHARROCOS

Publicado no Jornal Notícias do Mar

Francisco Fonseca - Fotografia

Mário Rocha - Texto

PORTUGAL PROFUNDO - NA TERRA DOS CHARROCOS

Todos sabemos que Portugal continental não é propriamente o paraíso do mergulho amador… A água não está a trinta graus, a visibilidade está muito longe dos quarenta metros e a natureza pouco (ou nada) preservada. Existem pois três soluções:

- Viajar para os melhores destinos de mergulho do mundo
- Ficar em casa a assistir ao National Geographic Channel
- Tentar aproveitar o que o nosso país tem de melhor para oferecer

Para aqueles cuja bolsa, a actividade profissional ou a família não são um obstáculo, não percam tempo a ler este artigo. As portas de embarque estão quase a fechar e têm um avião para embarcar.

Aos Divemaster de sofá nós não queremos incomodar… estão quase a adormecer com a mantinha pelos joelhos.

Para os restantes corajosos, em especial os que estão agora a iniciar a sua actividade, queremos apresentar algumas propostas interessantes de mergulho ao longo da nossa vasta linha de costa. A água vai estar fria, a visibilidade reduzida, mas ainda assim estão muitos e bons mergulhos à vossa espera. Em casa é que não podem ficar!

A nossa primeira proposta é um fim-de-semana no Portinho da Arrábida.
A cerca de cinquenta quilómetros de Lisboa, na península de Setúbal, a Serra da Arrábida esconde algumas das mais belas praias de Portugal. O Portinho é um verdadeiro paraíso para os amantes da natureza. Nesta zona da costa, inserida no Parque Natural da Arrábida, está condicionada ou mesmo proibida a prática de várias actividades náuticas. A caça submarina está proibida e o mergulho amador condicionado a determinadas áreas.

Previamente marcadas as saídas com o simpático Tó Manél, responsável pelo clube de mergulho local, o sábado ficou reservado para os mergulhos mais comuns no Portinho. Saímos para Oeste e numa rápida viagem de cerca de 10 minutos chegámos à zona das Três Irmãs, uma pedra, abrigada pela falésia, que vai até aos 12 metros de profundidade. Nada melhor que um mergulho calmo e descontraído para começar a jornada. No barco facilmente notamos a presença de alguns mergulhadores recém certificados que procuram estas águas calmas para as suas primeiras aventuras subaquáticas. Deixamo-nos ficar para o fim, para mais confortavelmente preparar o equipamento fotográfico. Ao cair na água constatamos que até estamos com sorte. A visibilidade atinge os dez metros, e quase não há corrente. Logo no início do mergulho encontrámos um polvo de dimensões razoáveis, modelo perfeito para as primeiras fotos do dia. As melhores surpresas estão reservadas nos buracos na pedra, que devem ser explorados com uma boa lanterna. Foi um mergulho longo graças à baixa profundidade em que pudemos observar várias espécies: Sargos, bodiões, peixes porco, peixes lua, polvos, chocos, agulhinhas (também conhecidas por marinhas), moreias, rascassos e imensos cabozes.

No segundo mergulho do dia fomos até ao Jardim das Gorgónias. Este local é talvez um dos mais conhecidos do Portinho da Arrábida. Numa zona igualmente protegida pela serra, podemos descer até aos dezoito metros e observar uma paisagem subaquática de grande beleza onde as gorgógias, como não podia deixar de ser, são uma presença constante em múltiplas cores e dimensões. Este mergulho já vale a pena só pela riqueza do fundo, mas uma observação cuidadosa permite descobrir bastante peixe e algum marisco. Já de regresso a terra há quem se queixe de um mergulho pouco interessante, mas se o turbo se mantiver desligado e as barbatanas sossegadas, há de facto um mundo novo para descobrir. A propósito, as milhas percorridas debaixo de água não podem ser adicionadas ao cartão frequent flyer…

Para domingo ficaram duas saídas para leste. Locais menos conhecidos, de maior complexidade e reservados a mergulhadores mais experientes. Estes são mergulhos em corrente que só podem ser realizados com condições de mar favoráveis e perfeitamente coordenados com a maré.

A viagem, em direcção a Setúbal, dura apenas 15 minutos. Estamos na Gávea, na zona do Outão, entre a cimenteira (sim, continuamos no Parque Natural) e o parque de campismo.

A corrente sente-se imediatamente ao entrar na água, e impõe-se uma descida pelo cabo.
Encontramos bastante suspensão, que só melhora nos dezasseis metros. O fundo é de uma beleza estonteante, totalmente coberto por anémonas, espirógrafos e esponjas. O fundo inclinado, forma uma rampa suave que nos leva de terra às profundezas. Decidimos ficar na cota dos dezasseis metros para rentabilizar o tempo de mergulho, permitindo obter mais fotografias, tarefa bastante dificultada pela corrente, mas largamente compensada pelas oportunidades para a macro fotografia. Uma santola, alguns cabozes e rascassos e um encontro fugaz com um cardume de sargos foi tudo o que pudemos observar. Além, claro, dos omnipresentes charrocos. A quantidade e a popularidade desta espécie (um símbolo da cidade de Setúbal e alcunha dos seus habitantes), leva muitos pescadores desportivos a esta zona, encontrando-se imensos anzóis, chumbadas e linhas emaranhadas no fundo. Para evitar embaraços e conflitos desnecessários convém ter o cuidado de não nos aproximarmos demasiado de terra.

A segunda saída do dia foi para Albarquel, mais próximo de Setúbal e muito perto da praia da Figueirinha. Este é um mergulho com um grau de dificuldade superior ao anterior. A corrente é forte, sobretudo na mudança da maré. O fundo arenoso tem um forte declive entre os dezoito e os quarenta metros, é preciso bastante cuidado, pois o entusiasmo de atingir uma marca fora do comum na caderneta, associado à corrente pode resultar numa mistura explosiva.

Descemos lentamente até ao fundo por esta rampa em socalcos, e fomos encontrando várias pedras cheias de vida. Por entre ouriços e pepinos do mar, anémonas e espirógrafos, podemos encontrar em número considerável de nudibrânquios.
Para além das outras espécies comuns no estuário do Sado, encontramos largas dezenas de charrocos. Parcialmente escondido na areia ou em buracos na pedra, este peixe emite por vezes sons com a bexiga, como que nos convidando a não perturbar o seu descanso.
Por falar em descanso, convém lembrar que o ruído provocado pela deslocação de navios para o porto comercial de Setúbal pode causar alguns sustos durante o mergulho, mas o canal de navegação está na realidade a uma distância bastante segura.
Na subida para a superfície fomos acompanhados por um cardume de sargos, que fechou em beleza este fim-de-semana.

2 comentários:

  1. Foram bons mergulhos, a julgar pela excelente descrição. Quanto às fotos, ... óptimas como sempre, caro Fonseca.

    Parabéns a ambos.

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  2. Obrigado João, vou publicar toda a série que produzimos para o Notícias do Mar. Material já com algum tempo, ainda feito com Nikonos V e a F 90X...

    Abraços

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